As Últimas Testemunhas
28.09.2018
SVETLANA ALEXSIEVITCH está de volta às estantes das livrarias com AS ÚLTIMAS TESTEMUNHAS – CEM HISTÓRIAS NÃO INFANTIS, editora Companhia das Letras.
A escritora, filha de pai bielorusso e mãe ucraniana, nasceu na cidade de Stanislaw, Bielorussia, hoje território da Ucrânia. Residiu na Escandinávia, Paris e Berlim e após retornou para Minsk, onde escreveu seus livros.
Recebeu o prêmio Nobel por VOZES DE TCHERNOBIL, no qual seu tema é a tragédia humana representada pelo colapso da usina nuclear, quando prestou socorro como enfermeira voluntária.
Seu prêmio máximo não se deve, entretanto, ao tema, ainda que o conteúdo desse livro e da sua obra sejam vívidos depoimentos da sua época, especialmente a invasão nazista na União Soviética, em 22 de junho de 1941, mas especialmente a uma forma peculiar de escrever sua obra, reais, com uma peculiar forma ficcional, buscar testemunhos e a forma de narrá-los.
Os livros de SVETLANA reúnem milhares de depoimentos de pessoas que viveram aqueles tempos da IIª Guerra, assim como Tchernobil e a guerra no Afeganistão.
Os depoimentos são rigorosamente selecionados, incluindo uma imensa variedade de pessoas, segundo a profissão, idade, nacionalidade, lugar de nascimento, formando um riquíssimo mosaico, igualmente com várias tendências políticas, permitindo ao leitor sentir a emoção que as pessoas e os fatos narrados sentiram na realidade, agora relembradas em entrevistas de memórias.
Sua obra inclui: A GUERRA NÃO TEM ROSTO DE MULHER e o FIM DO HOMEM SOVIÉTICO.
Esses dois livros, e AS ÚLTIMAS TESTEMUNHAS, são dedicados ao sofrimento da população civil soviética durante a IIª Guerra, eles abordam as mulheres guerreiras contra o invasor nazifascista e as crianças inocentes durante a ocupação alemã, assim como homens e mulheres comuns.
AS ÚLTIMAS TESTEMUNHAS – CEM HISTÓRIAS NÃO INFANTIS acolhe narrativas-testemunhas de homens e mulheres, agora já idosos, e que, como crianças, sofreram durante a ocupação alemã.
Alguns críticos não conseguiram chegar ao fim da leitura, tal a carga e a pressão emocional causadas pelas histórias daqueles que eram crianças em 1941-1945.
Sem comentários intermediários, exceto para dar unidade ao livro, a autora se limita a informar nome, idade, profissão atual, quando muito, dos narradores testemunhais. Seu conteúdo é necessariamente os depoimentos sobre a guerra, contados sem filtro, sem estilos, apenas com as palavras simples que afloram de uma memória que não se apaga e não se cala.
As barbáries da IIª Guerra surgem em toda a sua crueza nas lembranças daqueles que foram crianças, muitos totalmente alheios ao conhecimento preciso dos fatos históricos e cuja, praticamente única, expectativa era o alimento de cada dia e a sobrevivência ao conflito.
Em A GUERRA NÃO TEM ROSTO DE MULHER, anteriormente comentado nesse espaço, Svetlana resgata um episódio extraordinariamente simbólico.
Um grupo de moradores de um vilarejo russo se refugia em um pântano face à aproximação de tropas alemãs. Com ele estão os partisans, que os protegem, todos submersos até o queixo na água. O silêncio tem que ser absoluto para não atrair o inimigo. De repente, uma criança de colo choraminga. Todos se entreolham prevendo o destino do fuzilamento em massa.
A mãe da criança toma uma decisão: salvar as centenas de habitantes e o grupo de partisans afogando a própria criança.
SVETLANA propõe uma questão moral: salvar muitos em troca da morte necessária e voluntária de um único sem heroísmo, sem tecido épico, mas a sobrevivência e o sonho da libertação.
Que sirvam de lição as narrativas testemunhais da escritora que está dedicando sua obra para resgatar a memória para aqueles que não lembram ou não entenderam o passado .Estes serão atores medíocres do presente e massa ingênua de manobra, como se viu em 1933. Saber que o nazismo e o fascismo não são ideologias mortas e enterradas.
Podem ressurgir em qualquer país durante uma crise política, de violência, corrupção ou econômica, como apelo à salvação da pátria, nacionalista autoritário, mudar de face e forma, mas com os mesmos métodos e o mesmo discurso agora camuflado, ameaçar novamente a humanidade.
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